O pioneirismo do Internacional no Programa de Sócio Torcedor | Por André Romero
Hoje em dia, os programas de sócio torcedor são uma importante renda para os clubes que usam essa estratégia. Na situação atual, eles se tornaram mais importantes ainda, pois foram uma das poucas receitas que não sofreram um grande impacto com a paralisação do futebol.
Na Série A, apenas 2 clubes não possuem um programa de sócios, sendo eles o Atlético-GO e o Red Bull Bragantino. Porém, nem sempre foi assim. Há 15 anos atrás, o sócio torcedor ainda era algo pouco explorado no futebol brasileiro, mas a partir de sua implementação em alguns times, o projeto começou a se popularizar por aqui.
Um dos grandes cases de sucesso nessa área é o Internacional, porém, a construção do seu sócio torcedor não foi de um dia para o outro.
Esse trajetória foi construída por diversos personagens. Um dos principais definitivamente foi Jorge Avancini, ex Diretor de Marketing do Internacional. Graças ao seu trabalho e de sua equipe, o Internacional passou por uma grande reestruturação, fazendo com que a comunicação do clube se transformasse em uma das referências da época, devido a eficácia de suas ações e do contato estabelecido com o torcedor.
Através do seu relato, pudemos saber mais sobre como foi a construção dessa história, e estarmos cientes do tamanho dos desafios que foram enfrentados.
Um processo de planejamento iniciado no ano 2000 mudou totalmente a realidade do clube, graças ao grande foco dado ao seu quadro social e a sua infraestrutura. Na época, o clube possuía apenas 5.500 sócios, apesar de historicamente, apresentar quadros sociais muito superiores. Porém, a escassez de títulos abalou a auto-estima de sua torcida. A ausência de uma equipe competitiva, junto com a falta de perspectiva econômica, poucas revelações da categoria de base e até o sucateamento do estádio, motivaram uma reconstrução do clube em todas as suas áreas.
Os anos entre 2000 e 2003 serviram como preparação do modelo que seria implantado no programa de sócio torcedor. O clube Benfica, de Portugal, foi a grande referência nesse planejamento. Na ocasião o clube português já possuía mais de 100 mil sócios, apresentando um quadro social fiel na época. A falta de informações devido à escassez de livros sobre o tema em uma época em que não existia rede social transformou o processo de adequar o modelo à realidade do Internacional em um grande desafio.
Após o teste de diversos modelos de programas e também de uma reformulação geral no clube, o lançamento do programa de sócios se tornou uma realidade em 2003. A capacidade do antigo Beira-Rio se aproximava do número de 65.000 lugares, então, aproveitando a vantagem de ter um grande estádio em suas mãos, o Internacional usou os lugares como um atrativo para os seus sócios.
O conceito de ticket de temporada começou a ser aplicado, sendo uma novidade no Brasil. Com um pagamento em torno de 25 reais mensais, o sócio tinha direito a acessar todos os jogos, em qualquer lugar do estádio, menos nas cadeiras perpétuas e locadas. A associação começou a ser fomentada, e a melhora da performance do time dentro de campo também contribuiu para uma eventual subida no número de sócios
Tendo como base pesquisas com torcedores que frequentavam o estádio, o clube percebeu que o que sua torcida realmente queria era viver o clube através de experiências. Visando isso, foi criada uma série de programas que permitiam ao sócio usar as estruturas e as vivências do clube, como conversas com o presidente, visitas a instalações do clube, entrar no gramado, assistir a treinos, ida aos camarotes e fazer um tour no clube.
Os sócios que usufruíam desses benefícios eram escolhidos através de sorteios, sendo escolhidos 25 sócios por mês. Além da ação ser inovadora, já que nenhum outro clube no Brasil havia realizado algo parecido, ela também foi muito boa no aspecto financeiro, tendo em vista que não foi gerado nenhum custo, pois os recursos para que ela fosse realizada já estavam previamente disponíveis para o colorado gaúcho.
O torcedor ficou cada vez mais conectado com o clube através das experiências, como no dia da troca em que ao levar uma camisa antiga do clube, uma nova era garantida através da doação de uma cesta de alimentos.
Em 2002, o clube foi o primeiro a possibilitar o voto aberto para o sócio, permitindo a torcida ser um personagem ativo em sua política. Vale ressaltar que ele também foi o primeiro a implementar uma rede de desconto para os sócios em 2001.
O programa começou a crescer a partir de 2005, quando começou a explodir devido a ótima performance do Internacional no Campeonato Brasileiro deste ano. No ano seguinte, o título de uma inédita Libertadores consagrou o clube. O programa de sócios que já estava em uma constante evolução, tanto no número de sócios quanto na qualidade, vivenciou um grande salto. Na final do Mundial contra o Barcelona, o clube já apresentava quase 50.000 associados.
Fernandão levanta a taça da Libertadores de 2006
A falta de recursos e ferramentas foi um dos principais desafios na época. O departamento de informática era ineficiente e o armazenamento de dados acontecia através de servidores, o que gerava um custo altíssimo (diferente de hoje em dia que se pode salvar na nuvem). A comunicação também era um problema devido à tecnologia da época. As redes sociais começaram a surgir em torno de 2010, e o contato anterior a elas era estabelecido de forma mais rudimentar, o que resultava em um processo mais lento.
A partir de 2006, campanhas para o programa de sócio torcedor começaram a ser veiculadas na televisão regional, consequência do aumento de recursos. Nesse ano, o posicionamento mudou. O que antes era pautado no resgate da auto-estima do torcedor, em 2006 o foco se transformou. Através da campanha “100 anos 100 mil sócios”, o objetivo virou alcançar 100 mil sócios no ano do centenário do clube, que ocorreu em 2009. Para isso, toda uma campanha de engajamento foi criada, visando os colorados de todo o Brasil.
A mobilização da torcida foi notória. Em fevereiro de 2009, o Internacional se tornou o clube com maior número de sócio torcedores da América Latina, ultrapassando o River Plate, que se encontrava com 85 mil. A meta do clube de 100 mil sócios foi atingida, e a estrutura construída ao seu redor permitiu que sua gestão ocorresse de maneira correta e eficaz.
Todas as ações feitas no decorrer dessa caminhada foram importantes, e cada uma tinha um grande grau de dificuldade devido a diversas questões como recursos financeiros, tecnológicos, infraestrutura e pelo fato de ter sido o primeiro a fazer. A cada nova campanha, uma evolução era perceptível. O torcedor foi um personagem fundamental, se não, o principal de toda essa história.
Ser pioneiro e inovador em algo é um grande desafio, mas o Internacional conseguiu administrar esta situação com maestria. Hoje o clube se encontra com 120 mil sócios-torcedores, e é uma das grandes referências da área.
Um comentário
WAGNER JOSÉ VICENTE
Em que pese a importância, para o “universo desportivo”, do S. C. Internacional, o poderoso e simpático Clube gaúcho, causou surpresa a informação inserida no contexto, a qual coloca a agremiação em tela como o clube pioneiro no “Programa Sócio-Torcedor”, em função de que o signatário teve homologada a sua adesão como Sócio-Torcedor do Fluminense Football Club, tradicional associação desportiva carioca, na data de 1 de Novembro de 1999.-