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A TRANSFORMAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES EM EMPRESAS NO FUTEBOL MUNDIAL | POR CRISTIANO CAÚS

O futebol historicamente se organizou de forma associativa em quase todos os países do mundo.

Assim, tanto equipes quanto federações nasceram originalmente com a natureza jurídica igual ou muito próxima ao que em nossa legislação é chamada de associação civil em fins lucrativos[1].

Mesmo quando não organizados na forma de associações, os primeiros clubes de futebol não objetivavam distribuir lucros, mas sim praticarem o esporte e competirem entre si, como ocorreu na Inglaterra.

Um século depois, o futebol evoluiu para o conceito de negócio que como tal visa o lucro e, consequentemente, sua distribuição entre os investidores.

Com o crescimento do segmento e os valores envolvidos nos negócios do futebol, as associações se afastaram de seus objetivos sociais, esportivos e competitivos e passaram a se aproximar dos ideais empresarias, como forma de custearem as exigências cada vez maiores com infraestrutura e folha de pagamento dos atletas.

Estes, aliás, que no início praticavam o futebol de forma diletante e lúdica, tornaram-se personalidades mundiais desejadas pelas marcas e, mesmo antes do advento das redes sociais, já eram tidos como influenciadores cujas imagens rendiam milhões a eles e a seus clubes.

Os clubes de futebol, por sua vez, passaram a vender de tudo, de produtos licenciados a direitos televisivos, de camarotes e ingressos de temporada a visitas a estádios e museus etc.

Sem contar o produto principal, o atleta, cujas cifras de transferência atingiram seu ápice em 2018, após o PSG pagar ao Barcelona mais 230 milhões de euros por um único jogador: o brasileiro Neymar.

Diante do faturamento exorbitante, equiparável ao de grandes empresas multinacionais, o fisco de todos os países onde o futebol atingira tal patamar econômico passou a questionar as isenções concedidas às associações que, apesar do benefício fiscal, continuavam endividadas e necessitando de constante auxílio governamental, o qual geralmente vinha na forma de anistias ou parcelamentos a perder de vista.

O perdão das dívidas, todavia, não evitava novo endividamento e os governos então passaram a atuar mais fortemente em medidas que levassem os clubes de futebol a migrarem do modelo associativo para o empresarial.

O objetivo dos governos, portanto, foi o mesmo em todos os países, impingir maior controle, transparência, responsabilização dos dirigentes e solvência em caso de novo déficit.

Obviamente, numa associação os associados não são responsáveis pelas dívidas da entidade e um presidente quase sempre presenteia seu sucessor com contratos não cumpridos, que são assumidos pela nova gestão sem que o verdadeiro culpado seja responsabilizado.

Este, em resumo, foi o quadro mundial que motivou os países presentes neste estudo a estimularem ou obrigarem a adoção do modelo empresarial pelos clubes de futebol.

Aliás, a palavra clube não faz jus à estrutura e organização que existe por trás das grandes marcas do futebol internacional.

Feita a introdução acima, passamos a discorrer como se deu a mudança da mentalidade associativa em 8 países – Itália, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha, Portugal, Chile e Colômbia –, a começar pela Europa.

1) EUROPA

1.1. Itália

Por volta dos anos 60 e 70, na Itália, o esporte começou a se associar com a economia. Nesta época, os clubes de futebol italiano funcionavam como associações sem fins lucrativos. Com o tempo, as associações esportivas passaram a ser dirigidas por um “dono”, sendo este responsável pessoalmente por obrigações contraídas em nome da entidade.

Em 1981, foi aprovada a primeira lei italiana sobre o esporte profissional. Na sua redação original, a Lei estabeleceu que “possono stipulare contratti con atleti professionisti solo società sportive costituite nella forma di società per azioni o di società a responsabilità limitata[2].

Desta forma, a Itália foi um dos primeiros países a legislar sobre sociedades desportivas, através da Lei nº 91, de 23 de Março de 1981, mas somente em 1996 a Federação Italiana de Futebol (FIGC) decidiu adotar uma estrutura jurídica compatível com o contexto socioeconômico em que as empresas operavam.

A deliberação da Federação Italiana estabeleceu a dissolução das antigas associações, com a simultânea constituição de uma nova personalidade jurídica formada como empresa, sendo esta uma condicionante para a participação da equipe no campeonato profissional.

Na Itália, portanto, a obrigação de transformação de associação em empresa partiu de um regulamento esportivo, tendo restado à Lei nº 586 de 1996, por sua vez, estabelecer meta de lucro para as empresas esportivas, um grande marco no futebol italiano.

Com esta mudança, o legislador permitiu que essas empresas pudessem atuar em ramos distintos da prática esportiva, de modo que facilitou a vinculação de atividades como: patrocínios, venda de direitos de transmissão, venda de espaço publicitário e serviços relacionados ao merchandising.

Em 1997, foi aprovado o regulamento que introduziria o futebol italiano ao mercado de capitais.

No que diz respeito ao regime fiscal, a Lei nº 91, de 23 de Março de 1981, estabeleceu que a transformação de um clube esportivo em sociedade por ações ou em sociedade de responsabilidade limitada apenas ficaria sujeita a imposto sobre o Registro. No mais, as sociedades desportivas estariam sujeitas ao regime geral aplicável às sociedades comerciais.

1.2. Inglaterra

O Relatório Taylor é considerado um grande marco para o futebol inglês. Na década de 80, o cenário do futebol inglês era de extrema violência e o estopim aconteceu em 1989, após o Desastre de Hillsborough[3], em que 96 pessoas faleceram devido à superlotação do estádio Leppings Lane.

Deste modo, Peter Taylor ficou encarregado de averiguar as condições de segurança de todos os estádios ingleses, emitindo um relatório final que ficou conhecido como “Taylor Report”.

Diante deste cenário, a maioria dos clubes de futebol teve que reformar seus estádios para participar das competições, reformas estas que geraram dívidas a eles.

Assim, mesmo que alguns clubes ingleses já fossem constituídos na forma de empresas, a necessidade de obterem lucro para se adequarem ao Relatório Taylor foi o fator determinante para que passassem a negociar ações no mercado, uma vez que tais recursos serviriam para o financiamento das dívidas.

A partir do momento em que a F.A.[4]permitiu que os clubes ingleses vendessem participações no mercado eles passaram a possuir donos, em sua maioria estrangeiros, o que acabou por retirar os torcedores das decisões do clube.

A FA, entretanto, não obrigou que os clubes adotassem uma forma jurídica específica, porém impediu que os clubes tivessem sócios únicos.

Os tipos empresariais ingleses são similares ao do Brasil e de outros países, e os clubes de futebol adotam modelos distintos, baseados em seus faturamentos, níveis competitivos e objetivos sociais.

Assim, temos as seguintes estruturas no futebol inglês:

a) unincorporated association (associação);

A utilização desta estrutura é muito comum aos clubes amadores, pois é mais simples e mais barata de ser constituída.

b) private company limited by guarantee (Empresa Limitada);

Este modelo é utilizado por clubes que não pretendem obter resultado financeiro. Os sócios deste modelo não podem transferir sua participação para um terceiro e apenas podem renunciá-la em benefício da sociedade.

c) private company limited by shares (Sociedade por Ações Limitada);

Este modelo empresarial é equiparado à SA de capital fechado existente no Brasil. Ele é recomendado para entidades que visam o lucro, portanto, a maioria dos clubes ingleses profissionais adotou esta estrutura.

Os clubes constituídos desta maneira são capazes de distribuir lucro e de vender suas ações, porém, não publicamente em bolsa de valores.

d) Public Limited Company(Empresa Pública Limitada);

A PLC é um tipo de empresa pública cujas ações podem ser livremente negociadas ao público.

Hoje, um número significativo de clubes ingleses é constituído sob a forma de public limited companies (PLC), com ações cotadas na London Stock Exchange, em regra no segundo mercado (AIM – Alternative Investment Market) e no Plus (OFEX)[5].

1.3. Alemanha

Na Alemanha, como na Inglaterra, não existe legislação específica sobre sociedades esportivas.

Os clubes alemães nasceram tradicionalmente como associações e muitos se mantêm como tal, visto que a lei os concede certa autonomia de gestão e benefícios tributários, como ocorre no Brasil.

Não é vedado a uma associação exercer atividade comercial secundária, como alugar um estádio para shows, porém o retorno financeiro deve ser revertido às suas próprias atividades principais, mesma justificativa da isenção tributária das associações brasileiras.

Se através de patrocínio e merchandising a associação obtiver lucro, sua atividade comercial será transferida a outra entidade legal, uma empresa aberta com esta finalidade e tributada como tal.

Por conta disso, a Associação Alemã de Futebol (DFB) permitiu, em 1998, que os Clubes da Bundesliga transformassem seus departamentos de futebol profissional em sociedades empresárias.

Desta forma, os clubes alemães são tradicionalmente organizados como associações sem fins lucrativos (eingetragener Verein), porém, a partir de 1998, a Bundesliga, reconhecendo a importância crescente da transformação do futebol em negócio, aceitou que os clubes tradicionais (Mutterverein) tornassem autônomos (spin-off[6]) seus setores profissionalizados, a fim de serem geridos por sociedades de capitais (Kapitalgesellschaft) de três tipos:

a) Companhia de Responsabilidade Limitada (GmbH);

b) Sociedade de Comandita por Ações (KGaA);

c) Sociedade Anônima (AG).

Esta regra alemã certamente inspirou as primeiras alterações da Lei Pelé (Lei 9.615/98), entre 2000 e 2003, que obrigaram e depois facultaram os clubes ou seus departamentos de futebol profissional a se organizarem como empresas.

Regra do 50+1

A Regra do 50+1 é um termo utilizado para se referir a uma cláusula da Liga Alemã de Futebol, a qual estabelece que, para obter licença para competir na Bundesliga, o Clube-Empresa, qualquer que seja sua forma de organização societária, deverá reter a maioria de seus direitos de voto.

Esta regra é estabelecida como forma de garantir que os membros do Clube mantenham seu controle majoritário, de forma a protegê-los contra influência externa de terceiros (investidores).

Essa regra apresenta uma exceção, quando um clube tenha sido fundado por uma pessoa física ou jurídica por um período de 20 anos contínuos, de forma que seu controle seja exercido de maneira majoritária por ela.

A regra dos 50+1 geralmente considerada como a origem do sucesso comercial da Bundesliga, por garantir uma relativa igualdade dos clubes concorrentes e a maior percentagem média de espectadores/jogo de todos os campeonatos europeus, tem sido muito discutida nos últimos anos, em razão de sua questionável conformidade com as normas comunitárias.

1.4. França

Na França, a Lei Avice (Lei nº 84-610, de 16 de Julho de 1984), na sua redação original, veio estabelecer que é obrigada a criar uma sociedade anônima a associação (groupement sportif) que participar, em carácter habitual, de competições desportivas com entradas pagas das quais resultarem receitas superiores a determinado montante e que empregar atletas remunerados em montante superior a certo limite, um e outro fixados em lei.

Após diversas alterações, o “Código do Desporto”, correspondente à compilação da legislação desportiva francesa, veio estabelecer um enquadramento jurídico nas seguintes linhas mestras:

a. Os montantes de receitas ou de salários a partir dos quais uma associação passa a ser obrigada a criar uma sociedade desportiva deixam de ser cumulativos (como na versão originária da Lei Avice), bastando que um desses limites seja ultrapassado para que seja obrigatória a sua constituição (Código do Desporto, artigo L122-1).

b. Esses limites são de, respectivamente, 1.200.000 € para as receitas e de 800.000 € para os salários (Código do Desporto, artigo R122-1).

c. As associações desportivas que atinjam estes limites terão o prazo de um ano para optarem por um dos modelos societários admitidos legalmente, sob pena de exclusão de todas as competições desportivas (Código do Desporto, artigo L122-4).

d. Para efeitos do cálculo das receitas considerar-se-ão as provenientes da bilheteira, da publicidade e das transmissões televisivas (Código do Desporto, artigo R122-2).

e. Para efeitos do cálculo das remunerações considerar-se-ão os salários, prêmios, subsídios ou vantagens em valor ou em espécie, com caráter excepcional ou habitual, com exclusão dos respectivos encargos fiscais ou sociais (Código do Desporto, artigo R122-3).

f. A sociedade desportiva poderá adotar um dos três regimes (Código do Desporto, artigo L 122-2):

i. Empresa unipessoal de responsabilidade limitada (EUSRL);

ii. Sociedade de fim desportivo (SAOS);

iii. Sociedade anónima desportiva profissional (SASP).

g. Além destas, existe ainda as sociedades de economia mista desportiva local (SAEMSL), constituídas antes de 29 de Dezembro de 1999 (Código do Desporto, artigo L122-12), mas é proibida a criação de novas sociedades deste tipo.

h. Ressalte-se qie, com a atual redação do “Código do Desporto”, deixaram de subsistir as antigas associações de “estatuto reforçado”, ou seja, clubes que mantinham o tipo associativo, mas cujos estatutos incorporavam algumas exigências próprias das sociedades anônimas, que foram criadas em 1987 e estiveram em vigor até 1999 (regime que se aproximava do “regime especial de gestão” criado pelo Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril), data em que foram “substituídas” pelas EUSRL.

i. As SAOS e as SAEMSL não podem distribuir lucros, exceto, quanto às SAOS, se tiverem efetuado uma oferta pública de aquisição de ações ou forem cotadas em bolsa (Código do Desporto, artigo L122-10).

j. O capital das SAOS é composto por ações nominativas, exceto se as mesmas tiverem sido objeto de uma oferta pública de aquisição ou estiverem cotadas em bolsa (Código do Desporto, artigo L122-5).

k. No caso das SAOS, o clube originário deve ser titular de, pelo menos, um terço das ações e dos direitos de voto das sociedades por ele criadas (Código do Desporto, artigo L122-6).

l. As relações entre os clubes originários e as sociedades desportivas que constituírem são regidas por uma convenção (Código do Desporto, artigos L122-14 a L122-19), cuja duração não poderá ser superior a cinco anos (mesmo diploma, artigo R122-8, 6º).

m. Entre 1984 e 2007 a lei impedia as sociedades desportivas de emitirem títulos para oferta ao público e a sua admissão à cotação em Bolsa, situação que foi alterada pela Lei nº 2006-1770, de 30 de Dezembro de 2006 (artigo 68º), a qual veio introduzir, no Código do Desporto, o artigo L122-8, permitindo o acesso à Bolsa.

n. Dos modelos societários legalmente admissíveis, o mais adotado, na França é o da SASP e o menos adoptado é o da EUSRL.

À semelhança do que ocorre na Itália, na França a comercialização dos direitos de transmissão televisiva dos eventos desportivos é feita de forma centralizada por imposição legal.

Na França, não existe regime fiscal específico aplicável às sociedades desportivas, pelo que ficam sujeitas ao regime de tributação das sociedades de capitais, previsto no Código Geral dos Impostos.

1.5. Espanha

Na Espanha, a Lei 10-1990, de 15 de Outubro (Lei-Quadro do Desporto) veio estabelecer, no artigo 19º, inciso 1, a obrigatoriedade de os clubes, ou suas equipes profissionais, que participem em competições desportivas oficiais de caráter profissional e âmbito nacional, constituírem-se em sociedades anônimas desportivas, as quais se regem pelo disposto na lei geral com as particularidades estabelecidas na referida Lei-Quadro.

Desta obrigatoriedade de criação das SAD’S apenas foram excluídos, nos termos da Disposição Adicional 7ª, os clubes que, à data da entrada em vigor desta Lei 10/1990, participassem de competições oficiais de caráter profissional na modalidade de futebol e que, nas auditorias realizadas pela respectiva Liga desde a temporada de 1985-86, tivessem obtido, em todas elas, um saldo patrimonial líquido positivo, caso em que lhes seria permitido manter a sua forma jurídica nas condições fixadas nessa mesma Disposição Adicional.

Atualmente, dos 20 clubes da La Liga, não estão constituídos em SAD’s cinco clubes: Real Madrid, Barcelona, Atlético de Bilbao, Osasuña e Granada.

O regime jurídico das SAD’s espanholas encontra-se estabelecido no Real Decreto 1251-1999, de 16 de Julho, devendo aqui assinalar-se apenas alguns dos seus aspectos essenciais:

a. As ações representativas do seu capital terão que ser nominativas (inciso 2 do artigo 6º);

b. Estas ações puderam ser cotadas em bolsa a partir de 1º de Janeiro de 2002 (ou seja, 3 anos depois do diploma entrar em vigor);

c. O capital social mínimo destas sociedades se fixou de acordo com um conjunto de regras que entraram em linha de conta com 25% da média dos encargos dos clubes e sociedades participantes na competição e com os saldos patrimoniais líquidos negativos do clube à data da transformação em sociedade.

No entanto, e ao contrário do que ocorre na Itália e na França, na Espanha a lei não impõe a negociação centralizada dos direitos de transmissão televisiva das competições esportivas, na medida em que reconhece que tais direitos pertencem, em exclusivo, aos clubes e sociedades.

No que respeita ao regime fiscal, o artigo 109.15 da Lei nº 50/1998, de 30 de Dezembro, introduziu um número 5 na cláusula 7ª das Disposições Adicionais da Lei nº 10/90, de 15 de Outubro, segundo a qual os clubes desportivos incluídos no âmbito de aplicação da presente cláusula devem ajustar a contabilidade das suas seções esportivas profissionais às normas que regulam ou que no futuro venham a regular as sociedades anônimas desportivas, ficando submetidos às mesmas obrigações que se estabeleçam para estas, em conformidade com o artigo 26º.1 desta lei no que respeita à informação periódica que devem remeter ao Conselho Superior de Desportos.

Outro aspecto que caracteriza uma SAD em relação a outras empresas de capital é o capital social. Nas SAs (comuns), o capital social mínimo deve ser de € 60.000, o que pode ser realizado por contribuições monetárias e não monetárias, e pode até haver desembolsos pendentes dessas contribuições.

Na SAD, o capital mínimo deve ser totalmente desembolsado e por meio de contribuições monetárias, de modo que contribuições não monetárias não podem ser feitas e nem deve haver desembolsos pendentes.

Um aspecto importante introduzido no Real Decreto 1251/1999 é que as SADs podem negociar nas Bolsas de Valores, podendo solicitar a admissão à negociação de suas ações a partir de 1º de janeiro de 2002 e sempre sujeitas às regulamentações do mercado de valores mobiliários e supervisão pela Comissão Nacional do Mercado de Valores Mobiliários.

Há alguns casos em que é necessária uma autorização especial do Conselho Superior de Esportes para a aquisição de ações, e há outros casos em que essa aquisição é totalmente proibida.

Por exemplo, é necessária uma autorização quando uma pessoa física ou jurídica pretender adquirir ações cuja subscrição envolva 25% ou mais das ações da SAD, entre as adquiridas na época e as já detidas. O Conselho Superior de Esportes pode recusar a autorização quando for um evento em que seja proibido adquirir ações ou quando adulterar ou alterar a competição.

Proibidos 4 casos:

a) As SADs e clubes que participam da La Liga e da La Liga 2 não podem deter ações, direta ou indiretamente, de outras SADs participantes da mesma modalidade esportiva.

b) Indivíduos ou pessoas jurídicas que detenham participação nos direitos de voto, direta ou indiretamente, de 5% ou mais de uma SAD não podem possuir ações de outra SAD que participe da mesma modalidade esportiva.

c) É proibido possuir 1% da participação de 2 ou mais SADs participantes da mesma competição.

d) Os indivíduos que têm um vínculo de dependência com uma SAD por meio de uma relação trabalhista ou profissional não podem possuir 1% das ações de outra SAD.

As SADs serão necessariamente administradas por um Conselho de Administração composto pelo número determinado nos Estatutos de cada SAD.

Também há limitações para ser um administrador de um SAD, listado nos arts. 21.2 e 21.3 RD 1251/1999.

a) As pessoas indicadas na Lei das Sociedades por Ações e outras normas de aplicação geral.

b) Aqueles que nos últimos cinco anos foram sancionados por uma infração muito grave no esporte.

c) Aqueles que estão ao serviço de qualquer Administração pública ou empresa em cujo capital qualquer Administração pública participe, desde que os poderes do órgão ou unidade a que estão vinculados estejam relacionados à supervisão, tutela e controle de empresas esportivas.

d) Aqueles que têm o direito ou que tiveram nos últimos dois anos o status de alto cargo da Administração Geral do Estado e das entidades de direito público a ele vinculadas ou dependentes nos termos indicados no artigo 1.2. da Lei 12/1995, de 11 de maio.

A Lei das Incompatibilidades dos Membros do Governo da Nação e das Altas Taxas da Administração Geral do Estado, desde que a atividade do escritório esteja relacionada à das corporações esportivas.

Os membros do Conselho de Administração e aqueles que ocupam cargos de gerência em uma corporação esportiva não podem exercer qualquer cargo em outra corporação esportiva que participe da mesma competição profissional ou, sendo diferente, pertença à mesma modalidade esportiva.

1.6. Portugal

O sistema Português adota a figura das sociedades empresariais desportivas desde 1995, tendo sido o Decreto-Lei n.º 146 de 21 de junho de 1995, que, pela primeira vez, regulamentou as sociedades empresariais desportivas, sendo proibida, contudo, a distribuição de lucros aos acionistas.

Ocorre que referido diploma legal logo foi substituído com a edição do Decreto-Lei n.º 67 de 3 de Abril de 1997 (alterado posteriormente pela Lei nº 107/97, de 16 de Setembro, e pelos Decretos-Leis nº 303/99, de 6 de Agosto, e 76-A/2006 de 29 de Março), o qual aproximou o regime das sociedades empresariais desportivas ao das sociedades anônimas previstas no Código Comercial Português.

Naquele momento, a adoção da sociedade anônima desportiva foi instituída como uma faculdade, sendo permitido aos clubes se manterem como associações civis sem fins lucrativos.

Em razão disso, pouco mais de 30 clubes, a grande maioria na modalidade futebol, foram constituídos como sociedades empresárias. Aos clubes que optaram pela manutenção como associação sem fins lucrativos, a legislação imputou a adoção de um regime especial de gestão, o qual consistia na definição de regras mínimas a fim de assegurar a transparência e maior rigor na gestão da entidade, inclusive com a penalização de dirigentes.

Entretanto, mesmo com as alterações promovidas ao regime das sociedades empresárias desportivas, ainda assim a opção por essa forma se manteve restrita, tendo em vista a falta de efetividade do regime especial de gestão.

Em razão disso, em 2011, o Governo Português constituiu grupo de estudos destinados à análise da legislação vigente à época, aplicável às entidades desportivas, o qual recomendou: (i) aprovação de um novo regime jurídico das sociedades desportivas; (ii) alteração do regime fiscal aplicável às sociedades desportivas; e (iii) adequação da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto.

As conclusões, e recomendações, apresentadas pelo grupo de estudo deram origem ao Decreto Lei nº 10, promulgado em 25 de janeiro de 2013, o qual instituiu o novo regime das sociedades anônimas desportivas, bem como à Lei nº 56 de 14 de agosto de 2013, que alterou a Lei nº 103/97 e deu origem ao novo regime fiscal aplicado às sociedades desportivas.

Este Decreto-Lei veio substituir o antigo regulamento que instituiu as SADs (Decreto-Lei 67/97 e alterações), como forma de equiparar todas as entidades desportivas em igualdade de condições, principalmente econômicas.

Isso ocorreu, pois, o decreto anterior apresentava a faculdade das entidades desportivas em se tornarem SADs, e não a obrigatoriedade, o que se demonstrou ser um fator de desequilíbrio.

Regime Jurídico das Sociedades Anônimas Desportivas (Decreto Lei nº 10 de 25 de janeiro de 2013)

Conforme trazido acima, o regime jurídico das sociedades anônimas desportivas foi estabelecido através do Decreto – Lei 10/2013 de 25 de janeiro, o qual prevê a aplicação subsidiária do regime geral das sociedades comerciais, regulamentado pelo Código Comercial Português.

Assim, a partir de 2013, os clubes que desejassem participar das ligas profissionais esportivas tiveram que adotar o modelo empresarial, com finalidade lucrativa, para gerirem suas atividades. Estas empresas receberam o nome de Sociedades Anônimas Desportivas, SAD.

Para tanto, o Decreto-Lei definiu que as Sociedades Anônimas Desportivas poderiam ter origem de três formas:

a) De Raiz: as novas entidades que forem criadas a partir de 2013 somente poderiam ser fundadas e filiadas à Federação Portuguesa de Futebol se adotassem o modelo empresarial (SAD);

b) Por Transformação: uma entidade antiga, constituída como associação sem fins lucrativos, poderia ser transformada em empresa (Clube para SAD);

c) Pela personalização jurídica de uma equipe: uma entidade antiga, constituída como associação sem fins lucrativos, poderia criar uma empresa, que seria responsável por administrar a equipe profissional de um dos esportes praticados pelo clube (Clube – Esporte Amador e SAD – Esporte Profissional).

Dentre outras inovações, o Decreto-Lei 10/2013 tornou obrigatório a todas as entidades desportivas a constituição de uma SAD para participação em competições desportivas profissionais, sendo consideradas competições profissionais, por força de seu Artigo 30, todas aquelas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Uma vez se tratar de uma SAD por personalização jurídica de uma equipe, a lei apresentou alguns requisitos e/ou direitos e obrigações específicos, tais como:

· a denominação social deve mencionar o nome do clube a que se refere (Artigo 6, 2 do Decreto-Lei);

· criação de categorias de ações (A e B), sendo que as ações de categoria A devem ser subscritas pelo Clube Fundador (Artigo 10, 1, “a” do Decreto-Lei);

· requisitos específicos referente ao direito de preferência para subscrição de ações no caso de SAD de capital aberto (Artigo 17, 2 Decreto-Lei);

· previsão de que a SAD irá representar e suceder o Clube Fundador no relacionamento com a federação da modalidade (Artigo 21, 1 do Decreto-Lei);

· participação mínima de 10% no capital social da SAD do Clube Fundador e direitos específicos de veto (Artigo 23 do Decreto-Lei); e

· possibilidade de transferência a SAD da sala de bingo explorada pelo Clube Fundador (Artigo 26 do Decreto-Lei).

Outro ponto importante foi a definição no Decreto-Lei 10/2013 sobre a transferência de direitos e obrigações do Clube Fundador às SADs que resultaram da personalização jurídica de equipes.

Com exceção do direito de participação nas competições, que é obrigatório, a cessão dos demais direitos e obrigações (contratos e outros ativos) é facultativa ao clube fundador.

Finalmente, em relação às instalações esportivas (campos de treinamento, estádio e etc.), o acordo para utilização destes deve ser feito através de instrumento escrito, com a definição de contrapartida ao clube formador.

Regime Fiscal da Sociedade Anônima Desportiva (Lei nº 56 de 14 de agosto de 2013).

O regime fiscal aplicável às SADs foi instituído pela Lei nº 56/2013. Com base neste dispositivo legal, constata-se que as SADs estão sujeitas ao pagamento do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e, quando aplicável, ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), sendo aplicado regime fiscal próprio.

O IRC refere-se ao imposto incidente sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas, já o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) incide sobre toda a prestação de serviços ou transferência de bens.

A Lei que instituiu o regime fiscal específico das SADs concretizou um conjunto de medidas que pretendia ser o mais adequado às especificidades próprias das sociedades desportivas.

Assim, com base na legislação aplicável, os valores relacionados a direitos econômicos, pagamentos a título de direitos de imagem de atletas e salários de atletas e treinadores devem ser abatidos a fim de calcular a base de cálculo dos impostos incidentes.

2) AMÉRICA DO SUL

2.1. Chile

A Lei Nacional nº 20.019, de maio de 2005, regulamenta as Empresas Esportivas Profissionais, sendo de natureza especial.

A lei societária nº 18.046 de 1981 é aplicada como padrão subsidiário. (Art. 5, 12, 24 da lei 20.019).

A Lei nº 20.019, no Artigo 16, define assim a SADP:

Empresas Esportivas Profissionais são aquelas cujo único objetivo é organizar, produzir, comercializar e participar de atividades esportivas profissionais e de outras pessoas relacionadas ou delas derivadas”.

Capital mínimo de 1.000 unidades de desenvolvimento para a constituição da SADP. (Art. 13)

Os membros devidamente registrados nos registros das organizações esportivas profissionais terão direito de compra preferencial em relação aos mesmos (Art. 19).

Os acionistas que possuírem um percentual igual ou superior a 5% das ações com direito a voto não poderão possuir uma empresa regulamentada por esta lei, que concorra na mesma categoria de atividade e esporte, uma participação superior a 5% das ações com direito a voto neste último (Art. 21).

2.2. Colômbia

A Lei no 1445 de 2011, que modifica a Lei no 181 de 1995, introduz a figura da SAD no quadro regulatório colombiano.

Clubes com atletas profissionais organizados como empresas devem ter pelo menos cinco (5) acionistas.

Um capital mínimo subscrito é estabelecido para as SADs de outras modalidades além do futebol, até cem salários mínimos e, quando a modalidade profissional é o futebol, o limite é de mil salários mínimos.

Impõe-se controles rígidos que incidem sobre as aquisições de capital das SADs, controle este exercido pelo Instituto Esportivo da Colômbia (COLDEPORTES), que tem o poder de solicitar informações de entidades públicas e privadas sobre a origem dos fundos.

Ao controlar os movimentos de jogadores profissionais de futebol (vendas, atribuições etc.), auditorias rigorosas são estabelecidas através da Unidade de Informação e Análise Financeira da Colômbia, que pode exigir determinados relatórios para validar a origem dos fundos, a correlação das capacidades econômicas entre os acionistas.

  1. [1]Associação é uma organização resultante da reunião legal entre pessoas, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, para a realização de um objetivo comum. As associações são organizações providas de autonomia e de órgãos de gestão democrática: assembleia geral, direção, conselho fiscal. [2] “…podem celebrar contratos com atletas profissionais apenas clubes esportivos criados na forma de sociedades por ações ou sociedades de responsabilidade limitada”. = [4] Football Association – Associação Nacional de Futebol da Inglaterra. [5] Cfr, a tese de mestrado sobre “As sociedades anônimas desportivas e o mercado de capitais: análise de uma década”, de Luís Miguel Rodrigues Neves, 2009, Universidade Aberta, pág.105. [6] Spin-off: Uma spin-off é o nome dado à criação de uma nova empresa através de outra empresa já existente, deixando de pertencer a esta última. Este termo serve tanto para definir os passos iniciais, a experiência, assim como a empresa pela origem da mesma.

 

Artigo originalmente escrito AQUI.

Cristiano Caús é Sócio fundador e responsável pela área de Direito Desportivo do
CCLA Advogados; Mestre em Direito Internacional do Esporte pelo Instituto Superior de
Derecho y Economía, de Madrid – Espanha; Especialista em Direito Desportivo pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito; MBA em Gestão e Marketing Esportivo pela Trevisan Escola de
Negócios; Consultor Jurídico da Federação Paulista de Futebol; Autor do livro Direito Aplicado à Gestão do Esporte – 2013; Professor e Coordenador do LLM de Sports Law da Trevisan Escola
de Negócios; Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP; Árbitro da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (e Arbitragem Especializada).

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