O futebol por elas, e delas | por Moisés de Oliveira
Elas não são mais figurantes, as mulheres estão no futebol, buscam respeito, reconhecimento e protagonismo
Elas estão em todos os lugares, nas arquibancadas e no campo, jogadoras, árbitras; seguranças e repórteres. Você já deve ter ouvido essa frase em algum lugar: “Elas vão dominar o mundo.” E No futebol essa máxima não vem se mostrando diferente –, as mulheres estão tomando os estádios, o rosa que outrora era uma cor longínqua, agora reverbera com mais energia em meio às mudanças e à quebra de paradigmas.
O sol era de um dia típico de outono quando nos encontramos. O cenário? Este não poderia ser outro: o Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido por sua alcunha –, Mineirão. Era uma sexta-feira, dia sem jogos no estádio, e reinava uma atmosfera sepulcral, quebrada somente pelo som das caixas de som que foram instaladas do lado de fora, na reforma para a Copa do Mundo de 2014, e tocava gêneros musicais variados.
Trajando a indumentária atleticana, e vários outros adereços que descobri só depois, quando revelou-me abrindo sua bolsa, fui recebido com um sorriso e um comprimento cordial. Amanda Coutinho, 22 anos de idade, e muitos deles dedicados à devoção pelo Galo e amor ao futebol, estava em minha frente para um entrevista, e se antecipou dizendo quando percebeu que eu iria dar o play no gravador: “Não fala que está gravando que eu fico nervosa.”
Filha e neta de atleticanos, ela conta que foi incentivada a gostar de futebol por seu pai e por seu avô, ainda na infância, quando começou a frequentar o Mineirão. “Eu mudei para Belo Horizonte quando tinha nove anos de idade, e, na época, o Galo estava na série B. Meu pai começou a trazer eu e meu irmão aos jogos, o ingresso era bem baratinho. Se eu não me engano, viemos em todos os jogos daquele campeonato, e foi quando eu me apaixonei pelo Galo, eu escutava as narrações do Willy Gonser na Rádio Itatiaia e os jogos sempre estavam cheios. Meu pai me ensinava as regras; o que era impedimento, lateral, escanteio… e fui tomando gosto pelo futebol e pelo Atlético.” recorda Amanda.
Perguntada sobre a maior emoção vivida em um estádio de futebol, responde quase que sem pestanejar: “O dia mais feliz da minha vida, Atlético-MG X Flamengo, Copa do Brasil de 2014. Nunca vi meu pai tão feliz como naquele dia. Ele estava louco! Nós já temos aquela história com o Flamengo, desde a década de 1980, não é? Meu pai tem uma raiva enorme do Flamengo, e nesse dia foi muito especial, porque o Galo saiu perdendo, Já tinha que virar um resultado adverso do primeiro jogo no Rio –, quando virou foi uma loucura, meu pai me abraçava com a bandeira, chorava… foi o momento mais bonito. Eu não estive presente na final dos Libertadores de 2013, então esse foi o momento mais especial que vivi.” Revela.
Mas para as mulheres que gostam de futebol, e habitam neste universo predominantemente masculino, nem tudo são rosas. Existem espinhos bastante pontiagudos nessa relação. Começando pelo fato que não se consegue encontrar sequer uma pesquisa que aponte em números, os casos de preconceito ou assédio sofridos pelas mulheres nesse cenário. Ilustra a pouca importância que é dada a estes acontecimentos, muitas vezes até mesmo por parte das próprias torcedoras que preferem se calar mediante essas situações, e não denunciam às autoridades.
Mas elas começam a mostrar a que vieram. Torcedoras de várias equipes do futebol brasileiro, fizeram nos últimos dois anos encontros nacionais para debater temas que relacionam a convivência da mulher nos estádios de futebol e seu bem-estar, sob a chancela de um grupo criado na internet que empresta seu nome ao evento; chamado Mulheres de Arquibancada.
Perguntada se já sofreu algum tipo preconceito ou assédio nas arquibancadas, Amanda responde taxativamente que não. Mas alerta que sempre é indagada pelos homens sobre seu gosto por futebol. Geralmente as perguntas são sempre as mesmas, segundo ela; pedem para ela escalar o time ou falar sobre a aplicação das regras; o que de certo, revela um machismo deliberado por parte dos torcedores homens.
Mas, entretanto, o futebol feminino no Brasil parece viver o seu melhor momento, desde os seus primeiros registros como atividade profissional, em 1958, pelo clube mineiro Araguari Atlético Clube –, primeiro clube brasileiro de futebol feminino.
Em 2018 a FIFA lançou uma cartilha que aborda uma estratégia voltada para o desenvolvimento do futebol feminino no mundo, em diversas frentes do esporte. Como reflexo dessa visão, hoje, todos os clubes envolvidos na disputa da Taça Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro são obrigados a manter seus respectivos departamentos de futebol feminino. Um marco na história da modalidade, tão subjugada e posta em segundo plano ao longo de tantos anos.
Atualmente, o Brasil ocupa a 10° colocação no ranking de futebol feminino da FIFA, atrás de potências olímpicas como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França; Austrália, entre outras. O fato de possuirmos a atual melhor jogadora do mundo, Marta, eleita seis vezes –, não nos credencia a sermos os melhores, até mesmo pelos problemas estruturais.
Feminista declarada, Coutinho revela fazer parte de um grupo de whats app, onde só participam mulheres torcedoras do Atlético-MG, e dispara: “Infelizmente hoje a gente precisa do feminismo para tudo. Principalmente frente ao momento em que vivemos no Brasil, até mesmo em questões políticas… Parece que retrocedemos, as pessoas perderam um pouco a noção, esqueceram que estamos no século XXI, quase em 2020. E ainda continuam com essa… de que mulher não pode ir ao estádio, não pode gostar de futebol, que não pode jogar futebol. A gente pode o que a gente quiser, mesmo”. Emenda.
Demonstrando eloquência nas respostas e conhecimento de futebol – perguntada sobre o maior ídolo da história do Atlético-MG, responde sem pestanejar que foi Reinaldo, ídolo da torcida atleticana que jogou no clube nos anos 1970 e 1980.
Entretanto faz uma observação pouco comum entre torcedores de futebol: “Eu tenho um ídolo atual, é o Belmiro. Eu acho ele muito “massa”. Ele tem muitos anos de Galo, já poderia ter aposentado – mas ele continua lá fazendo o seu trabalho. Se eu fosse destacar um ídolo máster; Seria ele, porque eu acho muito f… o trabalho dele.” Belmiro é o massagista do Atlético-MG, e tem 50 anos de clube.
2 Comentários
Felipe Dias
Artigo excelente! Só informação de qualidade, meus parabéns ao autor (a), é esse tipo de informação que me leva a ler todos os dias temas como este.
Luiz Antonio
Parabéns à Amanda e a todas as mulheres do futebol – atleticanas, cruzeirenses, americanas etc.. O futebol feminino tem tudo para empolgar nos próximos anos. Especificamente, no Galo, é lamentável que o clube não tenha dado a seriedade necessária à este “nixo” do mercado, montando um time, muito esforçado e cheia de jogadoras com muita vontade – mas, muito desqualificado tecnicamente.