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Futebol vs. Tabu da masculinidade | Por Felipe Blanco

Há um mês, no dia 28 junho, celebrou-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros), – atualmente a sigla foi ampliada para LGBTQIA+, entenda melhor clicando aqui – e assim como o Dia Internacional da Mulher, não se trata de um momento destinado à parabenização dos integrantes desta comunidade, mas de uma ocasião para conscientização e para a luta por direitos. A data existe devido a uma revolta em um bar LGBT em Nova York, nessa data, em 1969.

 Imagem retirada Portal Super Interessante – Abril

Os clubes brasileiros, de modo geral, atraem milhões de fãs, inclusive LGBTs, cuja população estimada gira em torno de 20 (vinte) milhões, ou seja, cerca de 10% (dez por cento) da população nacional. Contudo, as agremiações ainda não lidam com esse público do modo como deveriam.

Realizei uma pesquisa sobre quais equipes das séries A, B e C, do Campeonato Brasileiro fizeram alguma menção ao Dia Internacional do Orgulho LGBT. Dentre os 60 (sessenta) times que compõem as 3 (três) primeiras divisões nacionais, apenas 15 (quinze) praticaram ao menos uma publicação sobre o tema. 10 (dez) deles representam os clubes da primeira divisão: São Paulo, Flamengo, Botafogo, Vasco, Fluminense, Grêmio, Internacional, Bahia, Chapecoense e Avaí. Na segunda divisão foram meramente Bragantino, América-MG e Figueirense. Por fim, na série C, Remo e Volta Redonda foram os únicos a tomarem partido sobre a temática.

Imagem retirada das redes sociais do Flamengo-RJ

Imagem retirada das redes sociais do São Paulo FC

Imagem retirada da página do Facebook do Internacional-RS

Imagem retirada da página do Facebook da Chapecoense

Imagem retirada da página do Facebook do Grêmio-RS

Por que diversos clubes não se posicionaram? Representantes de torcidas que superam a população de inúmeros países, como o caso de Corinthians, Palmeiras, Cruzeiro, Atlético-MG, Goiás, Sport e Vitória não se manifestaram. E por que deveriam? Clubes não são entidades filantrópicas ou políticas. Suas finalidades são: conquistar títulos, formar atletas e angariar recursos através do produto futebol. Argumentos válidos para alguém absolutamente pragmático. Entretanto, a mesma retórica não é corriqueiramente aplicada quando os clubes realizam diversos tipos de ações sociais. “Não é a mesma coisa levar donativos a um orfanato e defender a causa LGBT, meu caro”, reafirma, cheio de razão, o pragmático. De fato, não. Porém, gostaria de questionar qual o motivo de alguns clubes fazerem vista grossa sobre uma pauta urgente, tema de muitos debates na sociedade brasileira e que envolve seus fãs.

Segundo o Relatório Mundial da Transgender Europe, retirado de uma matéria do O Globo (2018), de um total de assassinatos de transgêneros registrados em 71 (setenta e um) países entre 2016 e 2017, mais da metade (52%) ocorreram no Brasil, seguido do México e dos Estados Unidos. Isto significa dizer que o Brasil é o campeão mundial de “LGBTfobia”. Segundo um levantamento de dados mais recente (fev/19) divulgado pelo UOL, tabulado por Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, tem-se que a situação tem piorado: o Brasil faz uma vítima de homofobia a cada 16 horas. Diante dos fatos alarmantes, o poder público precisou posicionar-se. Foi então que em 13 de junho deste ano aprovou-se em votação pelo STF que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passa a ser considerada um crime.

Imagem: Portal O GLOBO


Imagem: Portal UOL

Imagem: Portal BBC Brasil

Os dados acima não são suficientemente preocupantes para você? Não sensibiliza um dirigente saber que torcedores do seu time estão sendo assassinados apenas pela escolha de seus parceiros ou modo de se vestirem?

Antes de torcedores, todos somos seres humanos. No Brasil, o futebol é conhecido como o esporte do homem, do macho, do hétero pleno e muitas vezes truculento, disposto a desferir socos e pontapés motivado por qualquer mera discussão, seja sobre qual é o melhor time ou apenas por avistar um torcedor rival – são inúmeros os maus exemplos de violência na história do futebol brasileiro. Para acalmar os ânimos e baixar a testosterona, ocorreu a proibição de duas torcidas no estado de São Paulo, proibiu-se o consumo de álcool nas imediações dos estádios, fim das bandeiras, fogos de artifício, entre outros detalhes que podem, segundo as autoridades, colocar o espectador em risco.

Portal Lance

Sempre acreditei que essas medidas eram como prender um cachorro raivoso em um cercadinho, ao invés de adestrá-lo para conviver em harmonia com as visitas. Fato é que a violência continua, e segue se adaptando às normas impostas. Às vezes o cachorro escapa e morde o carteiro ou algum gato que passa pela rua. Recentemente vimos um pequeno exemplo de selvageria ao ver torcedores colorados arrancando a camisa de um pequeno gremista que acompanhava a partida com sua mãe. Confira este e outros que ocorreram em 2019.

21 de julho de 2019 – Portal Jornal Gazeta do Povo


14 de abril de 2019 – Portal Jornal Estadão

6 de maio de 2019 – Portal EM

1 de junho de 2019 – Portal G1
10 de abril de 2019 – Grêmio x Rosario Central – Fox Sports

Os clubes são a paixão e a vida de milhões de pessoas, principalmente dos torcedores mais fanáticos e agressivos. Por representarem tanto à vida das pessoas, reafirmo a importância de que os clubes se posicionem e combatam a violência de modo geral, principalmente contra minorias discriminadas como os LGBTs. Os clubes tem voz e são ouvidos quando se pronunciam, estão interligados com sua torcida e detém um enorme alcance e espaço em mídias que poucos conseguem alcançar.

O preconceito com essa categoria vai além do grito de “bicha” a cada tiro de meta cobrado pelos goleiros adversários. Jogadores supostamente homossexuais são perseguidos em redes sociais, xingados em campo, não têm seus nomes cantados pela torcida, são excluídos desde pequenos da prática da modalidade sofrendo bullying constante. O documentário “The mask you live in” (“A máscara em que você vive”, em tradução livre), que pode ser encontrado no Netflix, aborda como a ideia do macho dominante afeta psicologicamente crianças, jovens e, mais adiante, adultos nos EUA, e serve como ótima referência para vermos como os homens são, desde cedo, ensinados a serem destemidos, desprovidos de sensibilidade, sentimentos, proibidos de derramar lágrimas ou desabafar. Isso gera um grande problema, pois diversos entrevistados declararam fazer uso da violência como válvula de escape e meio para se afirmarem como viris nos seus grupos de amigos.

Homens que não adotam a postura “máscula padrão” são recriminados, isolados, ofendidos, vítimas de violência e até assassinados, como mostram os dados do início desta coluna. Com embasamento de diversos especialistas, o documentário atesta que é no ambiente masculino onde o machismo se prolifera e se consolida, por meio de piadas e tradições descabidas e preconceituosas. Portanto, é primordial que o combate a essas práticas abomináveis comece dentro dos círculos predominantemente masculinos, como ainda é o futebol. Diversos clubes se auto intitulam como “times do povo”, no entanto, o povo não tem rosto, cor, credo e orientação sexual, o povo são todos juntos, sem distinção.

Para ser o time do povo é preciso agir de forma igual com todos os seus fãs, abraçando e acolhendo como estes o fazem, nos momentos de glória e derrotas, vibrando, chorando e gritando seu orgulho por torcer para o time do seu coração. Crescer como clube, conquistar títulos e contratar os melhores jogadores, passa pelas premissas de criar simpatia com a sua marca, fazer com que cada vez mais torcedores compareçam ao seu estádio e consumam seus produtos. Discriminar pessoas e/ou fingir que elas não existem não é o caminho correto. O futebol precisa passar por cima dos tabus para continuar se desenvolvendo.

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